EM URUÇUÍ, QUEIMA DE LIXO a céu aberto, afeta a população, o comércio e traz doenças.
É PRECISO PARAR
Nas últimas 72 horas, o 180 fez um amplo e raro levantamento de informações em Uruçuí e constatou que se dependesse só do poder público, o município de pouco mais de 20 mil habitantes não mereceria ser chamado de cidade. É gritante o que foi constatado.
Mas mais gritante e urgente – se é que se pode hierarquizar as informações lá garimpadas, tamanha a gravidade de tudo o que foi detectado – é noticiar a contaminação de uma ‘nascente’ de um riacho, até então pura, que deságua no Rio Parnaíba.
Ao que parece, essa degradação inconcebível da natureza, conta com a anuência do poder público municipal. Nas informações disponibilizadas abaixo, o 180 reporta fotos, informações e relatos, além de cobrar do poder constituído e dos defensores do Rio Parnaíba, ações concretas para parar o verificado in loco.
PELAS CRIANÇAS, PELO MUNDO E CONTRA A IGNORÂNCIA PÚBLICA
O 180 visitou inúmeras escolas, conversou com várias crianças sobre educação, e é inaceitável que elas, que não possuem livros de qualidade em Uruçuí, muito menos laboratórios com computadores e internet, ao atingirem a idade adulta, tenham somente lembrança de que o que antes era natureza e pureza foi assassinado sob os olhos de um inerte poder público.
A FAÇANHA: LIXO HOSPITALAR, FOGO E FUMAÇA
Quem faz o recolhimento do lixo em Uruçuí é a empresa Ambientar. O lixo é jogado nas proximidades da nascente do Riacho São Gregório, que alimenta tanto o Rio Parnaíba, quanto o Rio das Balsas, o maior afluente do Rio Parnaíba, com cerca de 510 quilômetros, que corta o sul do Maranhão pela cidade com o mesmo nome, Balsas.
Mas esses resíduos nocivos não são simplesmente só jogados nas proximidades da nascente de um riacho. São jogados em um local mais alto do que essa nascente, que fica localizada em uma acentuada declividade. As consequências é uma poluição generalizada.
Os arquitetos dessa ‘saída’ para esconder o lixo da cidade parecem ou fingem não saber que as leis da física, elas são as mesmas: se chove no ponto mais alto, a água escorre para o mais baixo. Não é o contrário.
Lá em baixo nasce o Riacho São Gregório, que deságua no Rio Parnaíba e no Rio Balsas - afluente do Rio Parnaíba
E como nessa região está se acumulando desde os resíduos sólidos ao lixo orgânico hospitalar, a céu aberto, e no meio da mata, com as chuvas, contamina-se o solo, a nascente do riacho e ainda o Rio Parnaíba, além de toda a pequena bacia e o lençol freático.
Só que os responsáveis por essa brilhante ideia, como que achando que o estrago é pouco, ainda tocam fogo, o que faz com que a fumaça chegue às residências mais próximas nas extremidades da cidade e na zona rural, trazendo doenças.
O 180 também verificou que o comércio na região é prejudicado. Alguns chegam a fechar as portas em pleno expediente, quando a fumaça tóxica aumenta a intensidade. O que acaba por contribuir para diminuírem os lucros.
O proprietário da empresa Ambientar, que é a responsável pelo lixo na cidade, Demerval Júnior, não foi encontrado no município. “Está viajando”, disse uma funcionária que recebeu o 180, quando da visita em sua sede.
A água já contaminada. As crianças de Uruçuí não podem assistir a isso. Cadê o poder público constituído?
CONTAMINAÇÃO DE PLANTAÇÕES E AUMENTO DE COBRAS E VAREJEIRAS
O lixão a céu aberto mudou a vida e a rotina dos moradores da zona rural que residem próximo à nascente do riacho. Um deles é o lavrador Osvaldo Rodrigues de Oliveira, que anda com um multi inseticida a tiracolo para matar entre outros insetos, a “mosca azul”, que antes não existia na região. O incremento, hoje necessário, serve para afastar as moscas da farinha produzida por ele.
O problema da mosca azul é que ela nada mais é do que uma varejeira, que também pode ser verde-metálica, as califorídeas. Esse tipo de mosca tira proveito de animais de sangue quente, incluindo a espécie humana, utilizando-os como hospedeiros de sua prole, ao depositar ovos onde encontrar feridas abertas na pele. E pode até matar, segundo especialistas. O mais afetados são o gado.
O chorume, que contém metais pesados, não digeridos por seres vivos, é levado até o leito do riacho com as chuvas. A facilidade é maior ainda, porque o lixão está situado em local mais alto do que a nascente
Outra alteração já sentida no local em que vive o agricultor Osvaldo Rodrigues é o aumento do número de cobras. “Aqui antes não tinha assim não, mas elas estão aparecendo”, relata. A explicação, em tese, seria por conta do aumento do número de roedores, atraídos pelo lixo, o que acaba também por atrair as serpentes.
No momento em que a reportagem passou em sua residência observou um roedor no teto da cobertura externa. O certo é que já há um desequilíbrio visível no ecossistema da região.
Também aumentou o número de pernilongos e todas as pragas possíveis atraídas pelo lixo sem qualquer tratamento.
O pequeno agricultor Osvaldo Rodrigues, uma de suas preocupações agora é em matar insetos
A água que antes servia para beber, irrigar plantações, tem perdido essas utilidades. “Hoje a gente traz da cidade”, diz Rodrigues. “A água mudou a coloração. Hoje é verde”, acrescenta o vereador Edivaldo Lima (PT), que acompanhou a reportagem.
Com isso, aumenta a preocupação dos pequenos agricultores rurais, como é o caso de Carlos Luís da Rocha, que tem uma pequena plantação de banana à margem do riacho, mas também planta arroz e milho.
O pequeno produtor Carlos Luís da Rocha, sua preocupação é com a contaminação da plantação
MINISTÉRIO PÚBLICO SE RECUSOU A DIZER ONDE ERA O RIACHO
Em contato com o Ministério Público no município de Uruçuí, o promotor de Justiça William Luz informou sobre a ausência de tratamento sobre os resíduos sólidos e “ausência de um projeto de instalação”, provavelmente, de uma estação de tratamento. Também informou que foi aberto um “inquérito civil público”. Passou os números de uns processos e só.
O DIÁLOGO SOBRE UM ASSUNTO URGENTE___________
180: O lixo daqui é jogado onde?
Promotor William Luz: É na nascente de um riacho.
180: Onde é que fica?
Promotor William Luz: Não. Essa informação... O senhor pega os autos do processo, como é uma informação pública, a secretaria... como é que funciona, Gerson Pereira [outro promotor da comarca]?
180: Mas se o senhor disser onde é a gente vai lá fotografar (...). Não já está publicado nos autos [públicos]?
Promotor William Luz: (...) Eu só sei essa informação se eu pegar os autos.
180: O senhor não podia fazer esse favor para mim?
Promotor William Luz: Não. Porque os autos são públicos. Como são públicos...
Promotor Gerson Pereira: Você pode ir na secretaria e obter cópia, ou através do advogado do jornal... Uma hora você vai ter acesso ao processo.
Promotor William Luz: Esses processos são processos públicos. Nenhum deles têm sigilo. Então o senhor como qualquer cidadão, eu não sei como o Tribunal de Justiça atua...
180: É um pouco burocrático para conseguir...
Promotor William Luz: O fato é que está lá. E como é público, eu estou lhe passando o número do processo.
Diante desse impasse, o 180 não sabe o que o Ministério Público está fazendo de concreto. Sabe somente que há uma ação e ao que parece tímida ainda. De qualquer forma os documentos serão solicitados.
Agora sair da cidade sem descobrir onde era o riacho, diante de inominável descaso das autoridades públicas, seria tão absurdo quanto o é aquela situação existente no município de Uruçuí.
O solo próximo à nascente do Riacho São Gregório está sendo contaminado
Até porque ao contrário do temeroso Ministério Público, que no Piauí mais parece privado, pessoas não faltaram para ajudar a chamar a atenção da opinião pública para aquele descaso e até levarem o 180 ao riacho que está sendo dizimado.
E fica a ressalva – na linha daquele bê-a-bá defendido pelo 180 quando do fechado debate entre os candidatos ao posto maior do Ministério Público: a sociedade que paga o salários desses tão seletos e inteligentes membros do MP, querem, anseiam para saber o que realmente estão fazendo para defender os interesses dela. Se fechar em copas traz efeito reverso.
MAS QUANDO MESMO VÃO PARAR DE JOGAR LIXO NA NASCENTE?
Discussões à parte, o lixo, no entanto, continua a ser jogado no alto de uma nascente de um riacho que beneficiava a população, ainda abriga várias espécies animais e vegetais e desemboca no Rio Parnaíba, o contaminando. Sem falar que também contamina o Rio Balsas. As consequências são drásticas. E nenhuma ação concreta foi feita para parar essa anomalia provocada pelo ser humano.
O chorume, produzido pelo decomposição do lixo é altamente prejudicial para o solo, a água, o reino animal e vegetal. Além de possuir baixa biodegrabilidade, o chorume carrega metais pesados que os organismos não são capazes de eliminar quando vivos, acumulando-os. Dessa forma, os pequenos roedores e demais animais vão contaminando toda uma cadeia alimentar, que pode chegar até ao homem.
A fumaça traz problemas respiratórios para população e ajuda a fechar até o comércio local
Nas pessoas, o acúmulo de metais pesados provoca sérios problemas como diarreia, tumores no fígado e tireoide, dermatoses, problemas pulmonares, rinite alérgica, alterações gastrointestinais e neurológicas.
O que o Ministério Público deve fazer de forma urgente é lutar para que parem imediatamente essa situação, levantar com perícias os danos já ocasionados e atuar para punir todos os responsáveis, inclusive o gestores e funcionários da Prefeitura de Uruçuí que fecharam os olhos para tão desrespeitoso e impensável processo.
VEREADOR QUER QUE EMPRESA REPARE OS DANOS
Para o vereador Edvaldo Lima (PT), a empresa tem que reflorestar o meio ambiente degradado. “Ainda tem mais, tem que indenizar as famílias que hoje são altamente prejudicadas por esse processo. Porque várias famílias que produziam aqui estão indo embora, estão indo para cidade, porque não tem como produzir aqui, por causa da fumaça, por causa das moscas, por causa do lixão que desce. No período do inverno não tem condição nenhuma de ficar aqui. Esse riacho antes desse lixão, aqui era um local de banho, saudável, bebia-se, se fazia tudo com essa água. Hoje não se faz mais nada, por causa da degradação. Então o prejuízo aqui é gigantesco”, posiciona-se.
No lado direito da foto, uma mulher disse que o marido estava procurando um pneu. Ela estava acompanhada de uma pequena criança, que brincava em meio ao lixo
A PREFEITA ESTAVA EM TERESINA: É COMUM
A prefeitura de Uruçuí, Renata Coelho, foi procurada pela reportagem, mas não estava no município, e sim em Teresina, onde os filhos residem e estudam. São três, que estão longe dos problemas da cidade que ela administra. É comum a prefeita ficar na capital do estado ao invés de no município para o qual foi eleita prefeita - com o objetivo único de atuar para solucionar seus inúmeros problemas.
PESSOAS CATANDO LIXO EM MEIO À FUMAÇA E AO FOGO
Durante a visita do 180 foi possível verificar que o método usual de dar cabo do lixo é realmente tocar fogo. Metros abaixo do fogaréu, a nascente, que fica em meio à mata fechada, e é – ou era – tão preservada, que é de difícil acesso, localizada em uma profundidade considerável. Um alvo perfeito para os dejetos que deslizam. Aquilo é uma verdadeira catástrofe ambiental, silenciosa, e sob os olhos do poder público constituído.
Uma família catava lixo em meio à fumaça. Até uma criança estava presente.
Vereador Edvaldo Lima (PT). Ele quer a responsabilização de todos os envolvidos e o reparo ao meio ambiente e às famílias
CADÊ OS ATIVISTAS?
Diante desse descaso, é preciso uma ação urgente. Onde estão os representantes da Fundação Rio Parnaíba para tomarem as medidas práticas cabíveis? São competentes, não são? Não é possível que o magistrado da Comarca, acionado, concorde com isso. E ele não pode agir de ofício.
De todo modo é preciso se tornar público que está em ação um escárnio que tem que ser parado e cobrar a responsabilização de todos os envolvidos.
As crianças de Uruçuí, pobres crianças, já sem livros de qualidade, já sem laboratórios de internet nas escolas municipais, agora com um exemplo de degradação ambiental sob os seus olhos, em uma época em que a valorização e a defesa da natureza em todo o mundo estão entre as bandeiras mais atuais.
Pena que não é só esse o mau exemplo dado pelo poder público a que essas crianças estão expostas, como vai demonstrar o 180.
Definitivamente essa não é a Nova Uruçuí, como quer fazer crer a atual administração municipal.
Reportagem: Rômulo Rocha - Enviado a Uruçuí
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