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O racismo no futebol e a omissão das autoridades


Por Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga

O futebol tem a graciosa virtude de unir culturas e povos, sem distinção de credo, raça ou origem. A linguagem da bola é universal. Contudo, os recentes episódios de discriminação racial ocorridos nas partidas de futebol em território brasileiro demonstram, de forma inconteste, que o preconceito é uma chaga que envergonha o nosso país e que tem que ser erradicada de uma vez por todas.

Na obra “O negro no futebol brasileiro”, Mário Filho relata que no início do século XX o futebol era praticado quase que exclusivamente por clubes de engenheiros e técnicos ingleses, além de jovens da elite metropolitana que conviviam neste espaço. A base dos principais times de futebol era formada por profissionais liberais, servidores públicos, acadêmicos e bacharéis em direito que monopolizavam os campeonatos nos bairros de elite.

Os tradicionais clubes do Rio de Janeiro foram fundados no final do século XIX. Contudo, Sport Club Rio Grande é tido como o clube de futebol mais antigo do Brasil e foi fundado em 19 de julho de 1900. 

A triunfal conquista do Vasco da Gama em 1923 e o bicampeonato estadual no ano seguinte incomodaram os outros clubes cariocas, afinal, como poderia um time formado por jogadores negros, pobres e oriundos da periferia ter tanto sucesso dentro das quatro linhas ? 

Inicialmente tentaram excluir os jogadores que não pudessem assinar a súmula, em seguida, os clube de elite se desligaram da Liga organizadora do campeonato e fundaram a Associação Metropolitana de Esportes Amadores (AMEA). Ao Vasco foi negado o acesso à referida associação, sob a falsa alegação do clube não ter um estádio próprio, porém, o real motivo da negativa veio à tona quando foi apresentada um proposta indecorosa, na qual o Vasco da Gama seria admitido na AMEA desde que eliminasse do time 12 jogadores, mais explicitamente os negros, pardos, caixeiros e operários. 

Diante da proposta racista e preconceituosa, o clube cruzmaltino não se intimidou e apresentou a seguinte resposta:

“Estamos certos de que V.Exa. será o primeiro a reconhecer que seria um ato pouco digno de nossa parte sacrificar, ao desejo de filiar-se à Amea, alguns dos que lutaram para que tivéssemos, entre outras vitórias, a do campeonato de futebol da cidade do Rio de Janeiro de 1923. São 12 jogadores jovens, quase todos brasileiros, no começo de suas carreiras. Um ato público que os maculasse nunca será praticado com a solidariedade dos que dirigem a casa que os acolheu, nem sob o pavilhão que eles com tanta galhardia cobriram de glórias. Nestes termos, sentimos ter que informar à V.Exa. que desistimos de fazer parte da Amea.” 

Esta pode ser considerada a “Lei Áurea” do futebol brasileiro, pois, em 1925, o Vasco foi admitido na AMEA, com dignidade.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva prevê penas duras para esta prática criminosa, inclusive com a exclusão do clube do torneio[1]. 

A exclusão do time envolvido, daquele campeonato, pode parecer uma pena injusta e desproporcional, pois, afinal, foi apenas um grupo de indivíduos (não evoluidos) que cometeu o ato. Nada obstante, a partir do momento em que você pune a agremiação em razão do ato criminoso praticado por determinado grupo, possivelmente não haverá reincidência, pois os dirigentes terão cuidados redobrados no tocante a fiscalização de seus torcedores. 

Portanto, cabem aos operadores do direito desportivo a coragem de aplicar a pena prevista no item XI do art. 170 do CBJD e não serem omissos e coniventes com atitudes criminosas e que, portanto, devem ser banidas do futebol brasileiro. A batalha contra a discriminação racial é tarefa árdua e os casos de racismo que são noticiados causam perplexidade, porém, ainda são poucos aqueles cidadãos que têm coragem para enfrentar e mudar esta realidade.


MAURICIO DE FIGUEIREDO CORRÊA DA VEIGA - Secretário-geral da Academia Nacional de Direito Desportivo (ANDD); Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM-RJ; Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB-DF; Procurador Geral do STJD da CBTARCO; Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados; autor do livro “A evolução do futebol e das normas que o regulamentam - Aspectos trabalhista-desportivo”, pela editora LTr.

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