Antonte, era meidiínha e a parada de ônibus da Praça da Bandeira estava grossinha de gente. No meio do bolo uma moça avoada segurava sua bolsa, que mais parecia um cofo, enquanto pastorava seu ônibus. Mais cum pouca, um malandra se aproximou, arregaçou uma mãozada na bichinha e fez a Elza na bolsa da pobe. Já está com umas poucas de vez que tem roubo ali. É bom ficar escabriado...
Hoje, dia 19 de outubro é comemorado o Dia do Piauí. O estado possui 224 municípios que têm em comum um jeito diferente e divertido de se comunicar: o “Piauiês”, uma das maiores heranças culturais do estado. Com uma linguagem repleta de poesia, interjeições, compressão de frases, sentido figurado e até referências de outros idiomas o piauiense derruba a tese de que nordestino é tudo igual e brinca com as palavras, como na situação descrita à cima.
O “Piauiês” é um dialeto amplo que dispõe de expressões para todas as ocasiões e diversas variações das mesmas palavras. Um americano, ao tropeçar na rua, situação descrita no vocabulário piauiense como “levar uma topada”, certamente lamentaria com um sonoro - "What a hell!”- já o piauiense esbravejaria um “curdiacho”, que basicamente tem o mesmo significado da frase em inglês. O termo que é formado pela compressão da frase -“mas, só com o diabo, mesmo” é uma tentativa de minimizar o “palavrão” que seria dito.
Para o professor de literatura, Luiz Romero, embora haja variação de uma região para outra, afinal de contas o Piauí é um estado imenso, o piauiense é facilmente identificado apenas pelo vocabulário.
“Outro dia, um rapaz me atendeu em um bar em Copacabana e logo que ele pronunciou as primeiras palavras eu já o perguntei de que região do Piauí ele era. Ele era de Jerumenha”.
O “Piauiês” é um dialeto amplo que dispõe de expressões para todas as ocasiões e diversas variações das mesmas palavras. Um americano, ao tropeçar na rua, situação descrita no vocabulário piauiense como “levar uma topada”, certamente lamentaria com um sonoro - "What a hell!”- já o piauiense esbravejaria um “curdiacho”, que basicamente tem o mesmo significado da frase em inglês. O termo que é formado pela compressão da frase -“mas, só com o diabo, mesmo” é uma tentativa de minimizar o “palavrão” que seria dito.
Para o professor de literatura, Luiz Romero, embora haja variação de uma região para outra, afinal de contas o Piauí é um estado imenso, o piauiense é facilmente identificado apenas pelo vocabulário.
“Outro dia, um rapaz me atendeu em um bar em Copacabana e logo que ele pronunciou as primeiras palavras eu já o perguntei de que região do Piauí ele era. Ele era de Jerumenha”.
Professor Luiz Romero (Foto: Thamyres Sousa)
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Romero afirma que a supressão de frases é uma das características marcantes do “Piauiês” é “tão tal que” interjeições como “Ave-Maria!”, “mas, menino!” e “ora, mas rapaz!” viraram “armaria!”, “marminino” e “marrapaz”, movidas pela simplicidade do homem do campo.
“Todo movimento de cultura é do campo para a cidade. E as pessoas do interior, que têm menos conhecimento acerca da norma culta, tendem a criar variações de frases para que sua comunicação seja feita com mais facilidade.”, explica o professor.
O jornalista Paulo José Cunha, naturalizado carioca, mas piauiense de coração é um estudioso do assunto. Paulo iniciou, em 1995, a catalogação dos termos em Piauiês, e o que era para ser apenas um pequeno artigo sobre expressões típicas do Piauí, virou um livro, ou a “Grande Enciclopédia de Internacional de Piauiês”, que já está na 5ª edição.
O autor dessa “presepada cultural” afirma que a produção não para e que sempre que vem ao Piauí retorna com novas expressões:
“A produção se deu nas conversas com as pessoas mais próximas, na atenção ao linguajar dos piauienses com quem convivia. Este trabalho não para nunca. Ainda outro dia fui ao Piauí e voltei com uma caderneta recheada de novas palavras e expressões que fui recolhendo no contato com amigos e parentes, além dos que recolhi nos próprios jornais da terra (que, parece, perderam a "vergonha" de usar o "piauiês" em suas matérias, o que é muito bom).”
“Todo movimento de cultura é do campo para a cidade. E as pessoas do interior, que têm menos conhecimento acerca da norma culta, tendem a criar variações de frases para que sua comunicação seja feita com mais facilidade.”, explica o professor.
O jornalista Paulo José Cunha, naturalizado carioca, mas piauiense de coração é um estudioso do assunto. Paulo iniciou, em 1995, a catalogação dos termos em Piauiês, e o que era para ser apenas um pequeno artigo sobre expressões típicas do Piauí, virou um livro, ou a “Grande Enciclopédia de Internacional de Piauiês”, que já está na 5ª edição.
O autor dessa “presepada cultural” afirma que a produção não para e que sempre que vem ao Piauí retorna com novas expressões:
“A produção se deu nas conversas com as pessoas mais próximas, na atenção ao linguajar dos piauienses com quem convivia. Este trabalho não para nunca. Ainda outro dia fui ao Piauí e voltei com uma caderneta recheada de novas palavras e expressões que fui recolhendo no contato com amigos e parentes, além dos que recolhi nos próprios jornais da terra (que, parece, perderam a "vergonha" de usar o "piauiês" em suas matérias, o que é muito bom).”
Paulo Cunha (Foto: Reprodução)
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A literatura piauiense foi e é, apesar de em menor escala atualmente, responsável pela difusão do “Piauiês”, H. Dobal, Fontes Ibiapina, Francisco Gil Castelo Branco e um “piqueiro” de outros autores têm no uso do dialeto um elemento característico de suas obras. O próprio Paulo José Cunha afirma que nas pesquisas que deram origem ao seu livro leu mais de 100 obras de autores piauienses.
Por trazer marcas da identidade piauiense, o “Piauiês” foi declarado patrimônio cultural imaterial do estado, através da lei de n°6.434 de 15 de outubro . A proposta de autoria da deputada estadual Margareth Coelho foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa e recebeu a sanção do Governador do Estado, Wilson Martins. Com a medida, reforça-se a continuidade cultural do que antes era apenas um diálogo descompromissado e são difundidos os valores do sertanejo piauiense, grande responsável pelas expressões que se encontram no vocabulário local.
Piauiês agrada não só os piauienses
A carioca Luciana Chagas afirma que quando mudou para o estado possuía dificuldades para compreender algumas expressões, mas se divertia muito ao buscar entender o significado dos termos. A pergunta “o quê?!” fazia parte dos seus diálogos sempre em que algum colega de trabalho falava apressadamente ou utilizava um termo que lhe era estranho. Com o tempo, a carioca começou também a usar o “Piauiês” trocou o seu “tomar banho” por “banhar” e ri muito ao falar “jogar no mato”, quando quer jogar algo no lixo. Porém o que seria um ato de identificação com a cultura do estado já soou como deboche.
“Certa vez, assim que cheguei, um outro colega de trabalho me cobrou algo que estava pendente, eu respondi que estava aperriada, numa boa e ele se queixou com a nossa superior argumentando que eu estava debochando, pois fiz uso da palavra aperriar - e que segundo ele não fazia parte da minha cultura carioca”, comenta Luciana.
Oliver Alda também se encantou com o “Piauiês”. O mexicano conviveu com uma piauiense por seis meses, durante um intercâmbio da garota e se admirou da habilidade que o povo do estado tem de dizer muito através de poucas palavras. Esse é o caso do “R.O”, resto de ontem e do “puxincói”, forma reduzida do “puxa-e-encolhe”, que descreve alguém indeciso.
A variação da língua cativa quem é de fora do estado e orgulha piauienses. Tiago Silva, piauiense nato, afirma que usar o piauiês reforça sua identidade e o faz se sentir mais piauiense ainda. Extrovertido, desde criança, Tiago brinca com os colegas utilizando expressões peculiares ao estado. As expressões “merman” (mulher), “tu já raí?”( tu já vai) e tu rá fez o cumer? (tu fizeste a comida?) são suas favoritas.
Algumas expressões em Piauiês podem cair em desuso
Apesar do trabalho do jornalista, o “Piauiês” corre o risco de desaparecer, isso porque esta linguagem sempre teve nos idosos e nas crianças os seus principais adeptos. Certamente, foi na infância que a maioria dos piauienses disse as palavras “eguati” quando quis incentivar alguma briga na escola, pegou uma “tubada” para chegar rápido em algum lugar. Já os idosos gostam de termos mais “sofisticados”, “cumo bem”: usam mau elemento ou malandra para definir criminosos; ameaçam de dar uma “lecho no meio do espinhaço de quem os contraria”; “nem mel nem cabaça” quando não querem dizer nem uma coisa nem outra e mais um “magote” de outras variações.
Uma possível ameaça ao “Piauiês” é fato das novas gerações estarem cada vez mais globalizadas. Com isso, os costumes locais tornam-se cada vez mais ameaçados e o “Piauiês” não está fora desta realidade. O “dialeto” corre o risco de passar a ser quase exclusividade dos mais velhos não havendo uma difusão entre as gerações mais novas.
Paulo José Cunha diz não temer que o “Piauiês” tenha o mesmo destino do latim:
“O "Piauiês" é uma linguagem viva, que todo dia ganha mais e mais expressões, enquanto algumas vão caindo em desuso. Até porque o "Piauiês" é vizinho da gíria, que tem curta duração, como bem sabemos. Gírias como: ‘é uma brasa, mora?’, dos tempos do iê-iê-iê já não se usam mais. Da mesma forma, expressões típicas do Piauí como "positivo" (mensageiro), que se usava antigamente, igualmente caíram em desuso. Justamente pela possibilidade de permanente renovação acredito na longevidade de nossa linguagem”.
A filha de Luciana, que tem 14 anos, virou uma falante arrojada do “Piauiês” e pertence a geração que dará longevidade a esse modo de falar.
“Ela é a carioca mais piauiense do mundo. Ela fala “armaria”, “nem” e muitas outras”, descreve a mãe.
O professor Luiz Romero também não crê que o “Piauiês” possa ser engolido pela globalização (Deusulive!). “Se você joga um Iphone e um livro para cima, ao cair no chão o celular irá quebrar, o livro não. O mesmo acontece com o dialeto, ele sempre estará em nós, mesmo que em stand by”.
Incentivar para não perder expressões
Apesar do otimismo, Paulo José Cunha se mostra preocupado com a possível extinção de alguns termos do “Piauiês” e até sugere uma saída para que isto não ocorra:
“O que me preocupa é a possibilidade de perdermos verdadeiras preciosidades como nosso "está bonito pra chover", expressão que beira a melhor poesia, e que H. Dobal adorava. Claro que há o risco de uma expressão dessas, com o tempo, se perder para nunca mais. Mas pelo menos enquanto a chuva for pouca, e infelizmente parece que continuará a ser, o nosso precioso "está bonito pra chover" continuará a ser usado. Acho que os governos - estadual e municipais - bem que poderiam incentivar o uso e a preservação de nossa linguagem regional. E isso pode ser feito, por exemplo, pela promoção de concursos literários do tipo: Escreva uma redação que use intensivamente o "Piauiês" e concorra a tais prêmios.”
Assim, qualquer atitude que vise a preservar esse “cexto” tão característico do povo piauiense já será uma “valença”. Mas, tem que ser “como sem falta”.
“Pra mode” ajudar a leitura de quem não é piauiense, a “negada” resolveu botar “bem aquiassim”, “no rabo” do texto, um glossário com os termos usados na matéria. “Repara”, só:
Por trazer marcas da identidade piauiense, o “Piauiês” foi declarado patrimônio cultural imaterial do estado, através da lei de n°6.434 de 15 de outubro . A proposta de autoria da deputada estadual Margareth Coelho foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa e recebeu a sanção do Governador do Estado, Wilson Martins. Com a medida, reforça-se a continuidade cultural do que antes era apenas um diálogo descompromissado e são difundidos os valores do sertanejo piauiense, grande responsável pelas expressões que se encontram no vocabulário local.
Piauiês agrada não só os piauienses
A carioca Luciana Chagas afirma que quando mudou para o estado possuía dificuldades para compreender algumas expressões, mas se divertia muito ao buscar entender o significado dos termos. A pergunta “o quê?!” fazia parte dos seus diálogos sempre em que algum colega de trabalho falava apressadamente ou utilizava um termo que lhe era estranho. Com o tempo, a carioca começou também a usar o “Piauiês” trocou o seu “tomar banho” por “banhar” e ri muito ao falar “jogar no mato”, quando quer jogar algo no lixo. Porém o que seria um ato de identificação com a cultura do estado já soou como deboche.
“Certa vez, assim que cheguei, um outro colega de trabalho me cobrou algo que estava pendente, eu respondi que estava aperriada, numa boa e ele se queixou com a nossa superior argumentando que eu estava debochando, pois fiz uso da palavra aperriar - e que segundo ele não fazia parte da minha cultura carioca”, comenta Luciana.
Oliver Alda também se encantou com o “Piauiês”. O mexicano conviveu com uma piauiense por seis meses, durante um intercâmbio da garota e se admirou da habilidade que o povo do estado tem de dizer muito através de poucas palavras. Esse é o caso do “R.O”, resto de ontem e do “puxincói”, forma reduzida do “puxa-e-encolhe”, que descreve alguém indeciso.
A variação da língua cativa quem é de fora do estado e orgulha piauienses. Tiago Silva, piauiense nato, afirma que usar o piauiês reforça sua identidade e o faz se sentir mais piauiense ainda. Extrovertido, desde criança, Tiago brinca com os colegas utilizando expressões peculiares ao estado. As expressões “merman” (mulher), “tu já raí?”( tu já vai) e tu rá fez o cumer? (tu fizeste a comida?) são suas favoritas.
Algumas expressões em Piauiês podem cair em desuso
Apesar do trabalho do jornalista, o “Piauiês” corre o risco de desaparecer, isso porque esta linguagem sempre teve nos idosos e nas crianças os seus principais adeptos. Certamente, foi na infância que a maioria dos piauienses disse as palavras “eguati” quando quis incentivar alguma briga na escola, pegou uma “tubada” para chegar rápido em algum lugar. Já os idosos gostam de termos mais “sofisticados”, “cumo bem”: usam mau elemento ou malandra para definir criminosos; ameaçam de dar uma “lecho no meio do espinhaço de quem os contraria”; “nem mel nem cabaça” quando não querem dizer nem uma coisa nem outra e mais um “magote” de outras variações.
Uma possível ameaça ao “Piauiês” é fato das novas gerações estarem cada vez mais globalizadas. Com isso, os costumes locais tornam-se cada vez mais ameaçados e o “Piauiês” não está fora desta realidade. O “dialeto” corre o risco de passar a ser quase exclusividade dos mais velhos não havendo uma difusão entre as gerações mais novas.
Paulo José Cunha diz não temer que o “Piauiês” tenha o mesmo destino do latim:
“O "Piauiês" é uma linguagem viva, que todo dia ganha mais e mais expressões, enquanto algumas vão caindo em desuso. Até porque o "Piauiês" é vizinho da gíria, que tem curta duração, como bem sabemos. Gírias como: ‘é uma brasa, mora?’, dos tempos do iê-iê-iê já não se usam mais. Da mesma forma, expressões típicas do Piauí como "positivo" (mensageiro), que se usava antigamente, igualmente caíram em desuso. Justamente pela possibilidade de permanente renovação acredito na longevidade de nossa linguagem”.
A filha de Luciana, que tem 14 anos, virou uma falante arrojada do “Piauiês” e pertence a geração que dará longevidade a esse modo de falar.
“Ela é a carioca mais piauiense do mundo. Ela fala “armaria”, “nem” e muitas outras”, descreve a mãe.
O professor Luiz Romero também não crê que o “Piauiês” possa ser engolido pela globalização (Deusulive!). “Se você joga um Iphone e um livro para cima, ao cair no chão o celular irá quebrar, o livro não. O mesmo acontece com o dialeto, ele sempre estará em nós, mesmo que em stand by”.
Incentivar para não perder expressões
Apesar do otimismo, Paulo José Cunha se mostra preocupado com a possível extinção de alguns termos do “Piauiês” e até sugere uma saída para que isto não ocorra:
“O que me preocupa é a possibilidade de perdermos verdadeiras preciosidades como nosso "está bonito pra chover", expressão que beira a melhor poesia, e que H. Dobal adorava. Claro que há o risco de uma expressão dessas, com o tempo, se perder para nunca mais. Mas pelo menos enquanto a chuva for pouca, e infelizmente parece que continuará a ser, o nosso precioso "está bonito pra chover" continuará a ser usado. Acho que os governos - estadual e municipais - bem que poderiam incentivar o uso e a preservação de nossa linguagem regional. E isso pode ser feito, por exemplo, pela promoção de concursos literários do tipo: Escreva uma redação que use intensivamente o "Piauiês" e concorra a tais prêmios.”
Assim, qualquer atitude que vise a preservar esse “cexto” tão característico do povo piauiense já será uma “valença”. Mas, tem que ser “como sem falta”.
“Pra mode” ajudar a leitura de quem não é piauiense, a “negada” resolveu botar “bem aquiassim”, “no rabo” do texto, um glossário com os termos usados na matéria. “Repara”, só:
Fonte: Portal Piauiense de Notícias
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